Turismo de Observação de Baleias. Importante demais para virar baderna, na opinião de José Truda.

Ele estava no primeiro vôo que avistou baleis em Santa Catarina, ajudou a montar o turismo de observação de baleias embarcado por aqui e por anos foi o coordenador do Projeto Baleia Franca e está a favor da proibição do turismo embarcado.

Saiba os porquês de José Truda Palazzo Jr, o Truda, neste texto assinado por ele que nos foi enviado por Fernando Bittencourt.

 

TURISMO DE OBSERVAÇÃO DE BALEIAS:

IMPORTANTE DEMAIS PARA VIRAR BADERNA

 

José Truda Palazzo, Jr.[1]

 

            Nos últimos meses, tenho sido assediado por amigos (e outros nem tanto) que me pedem opinião e/ou ajuda para “resolver” o “problema” da proibição judicial do turismo embarcado de observação de baleias na Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, resultado da Ação judicial movida pelo Instituto Sea Shepherd Brasil. Como sempre fui um grande defensor desse turismo, e na verdade creio que sua existência em vários países em desenvolvimento é uma das grandes razões de estarmos vencendo a guerra global contra a caça à baleia, nada mais natural do que me procurarem – afinal eu ajudei a criar essa mesma atividade em Santa Catarina e estive diretamente envolvido nas tentativas de ordená-lo, isso antes de 2009, quando fui expulso da direção do Projeto Baleia Franca por me recusar a vendê-lo a interesses empresariais escusos.

            Chega a ser tocante a surpresa dessas mesmas pessoas quando respondo que sou 100% a favor da Ação Civil do ISSB e da proibição do turismo embarcado na APA da Baleia Franca enquanto não houver garantias efetivas de proteção das baleias. Não deveriam se surpreender, entretanto.

            O turismo de observação de baleias é, sem sombra de dúvida, uma importantíssima ferramenta de conservação, principalmente porque agrega a geração de emprego e renda para as comunidades costeiras pela presença de baleias vivas, com populações saudáveis, sem impactar negativamente o recurso representado pelas baleias. De onde, desde que as baleias francas começaram a se recuperar da criminosa matança realizada em Santa Catarina até 1973, passei a defender que esse turismo se desenvolvesse na região, como forma de agregar apoio comunitário e político para sua conservação. O desenvolvimento ordeiro desse turismo foi, igualmente, uma das razões fundamentais para que houvesse apoio regional para a criação da APA da Baleia Franca, que deveria, por óbvio, ter se focado na conservação das baleias como sua atividade prioritária e fundamental.

            Infelizmente, com o passar dos anos a conservação das baleias passou a ficar em segundo plano nas prioridades do órgão gestor, antes o IBAMA, hoje o ICMBio. O Plano de Manejo, que deveria estar pronto em 2005, ficou para as calendas gregas, e apesar de haver já determinação judicial em uma Ação Civil Pública que movi naquele mesmo ano para obrigar a sua realização, até agora nada. Nesse meio tempo, o Conselho Gestor da APA passou a priorizar diversas outras coisas, em que a defesa dos pescadores e da pesca, atividades extrativas e outras necessidades humanas ganham espaço enquanto fala-se (e, principalmente, age-se) muito pouco para defender as baleias e suas necessidades.

            Pensando de maneira precautória, propôs-se e aprovou-se por minha iniciativa, depois de violenta, mentirosa e indevida campanha contrária por parte do principal operador de turismo embarcado e seus apoiadores políticos na região, uma Instrução Normativa determinando áreas abertas e fechadas para o turismo embarcado de observação de baleias, como forma de ordenar parcialmente a atividade enquanto não se faz o Plano de Manejo. Outras medidas essenciais, entretanto, como a determinação de comportamento operacional das embarcações, incluindo velocidades, e outras previstas na regulamentação geral sobre prevenção do molestamento de cetáceos, seguiram sem qualquer implementação e, principalmente, a fiscalização continua deficiente.

            É importante dizer que nada disso, a meu ver, refere-se à pessoa da Chefe da APA da Baleia Franca. Maria Elizabeth Carvalho da Rocha, uma pessoa íntegra e servidora dedicada, faz o que lhe parece ser o melhor para a Unidade de Conservação nas condições de que dispõe e de acordo com suas convicções. Mas isso não tem sido suficiente para dotar a região de um sistema de proteção das baleias adequado, não apenas contra o molestamento do turismo, mas também contra o emalhamento em redes de pesca dita “artesanal” que a cada ano enroscam filhotes e adultos, e acabarão matando animais se não forem também normatizados e, espero, um dia excluídos das principais enseadas reprodutivas.

            Voltando ao turismo embarcado, é importante lembrar que a sua regulamentação se dá por três razões fundamentais. Uma, a proteção da espécie contra efeitos adversos que possam afetar sua capacidade reprodutiva e sobrevivência a longo prazo. Outra, a prevenção da perturbação de indivíduos, por razões biológicas e éticas. E ainda outra, a preservação da experiência dos demais visitantes da Unidade de Conservação, que acorrem à região no inverno e primavera para observar as baleias a partir de terra, e muitas vezes se frustram ao ver o comportamento natural destas alterado pela presença dos barcos de turismo – alteração essa que, idealmente, não deveria ocorrer.

            As baleias francas estão ameaçadas pelo turismo embarcado em Santa Catarina? Acredito, piamente, que não. Mas a questão suscitada pela tempestiva interdição judicial da atividade não se refere a meu ver a danos imediatos às baleias, mas sim à mais absoluta falta de estudos adequados recentes sobre as interações baleia/barco e, mais ainda, à falta de controle adequado do Estado, que deveria vir na forma das normas consolidadas no Plano de Manejo e de uma fiscalização permanente de proteção das baleias durante a temporada reprodutiva. Ambos ausentes, falha a APA em sua função primordial e, portanto, deve-se manter a interdição até que tais deficiências estejam efetivamente sanadas.

            Sigo acreditando que o turismo de observação de baleias é possível e desejável. Mas um turismo embarcado sem qualidade interpretativa, cuidado com os animais e respeito à legislação é um câncer e um entrave à conservação. A APA da Baleia Franca deveria assegurar a existência desse turismo de maneira ordenada e qualificada, como exemplo para o resto do país. Que o estado de coisas anterior à proibição tenha se deteriorado tanto é testemunho de que, para muitos atores locais que ora criticam a decisão, a proteção das baleias deixou de ser prioridade. Parabéns ao Instituto Sea Shepherd por lutar para que essa triste realidade seja mudada e para que as baleias francas, cuja população reprodutiva sobrevivente redescobri com minha equipe de voluntários em 1982 e para cuja recuperação dediquei 27 anos de minha vida, sigam existindo e prosperando em águas do sul do Brasil.



[1] Fundador do Projeto Baleia Franca, idealizador da APA da Baleia Franca, ex-Vice-Chefe da delegação brasileira à Comissão Internacional da Baleia e Presidente da Rede Marinho-Costeira e Hídrica do Brasil. email: brazilian_wildlife@terra.com.br